CONHECENDO O AFEGANISTÃO: EUA E A UNIVERSALIZAÇÃO DO TERROR GLOBAL
A primeira
vez que ouvi falar do Afeganistão tinha uns dez anos de idade. Foi em meados
da década de 1970, desfolhando uma revista em quadrinhos do Tio Patinhas o
velho, milionário e simpático pato da Walt Disney. O símbolo do amor
incondicional por dinheiro, usando cartola, casaco vermelho e sapatilhas azuis
sobre as penas brancas (as cores da bandeira dos EUA), viajara para Kandahar
no longínquo e exótico país em busca de riquezas. Na época, quando li a revista
em quadrinhos, morava em Porto Alegre, onde vivi parte de minha adolescência e
para onde havíamos mudado em 1964 depois que meu pai fora exilado da Síria.
Voltei ao Brasil, meu país de nascimento, nos primeiros meses de regime
militar instalado por um golpe de estado, planejado e apoiado pelos Estados
Unidos contra um regime democrático eleito pelo voto popular [ Phyllis R.
Parker: “ U. S. Prior To The Brazilian Coup of 1964- LBJ School of Public
Affairs Library, University of Texas, austin, Texas]. No número 575 da rua
Alberto Silva não havia televisão em casa (era coisa de gente rica) e todos
íamos à tarde para a casa do vizinho assistir os seriados que repetiam sempre
os mesmos filmes. Enquanto o gigantesco herói japonês “Nacional Kid” lutava
contra invasores vindos do espaço sideral para defender o planeta terra, as
séries dos EUA, como “o Forte Apache”, com os valentes soldados dos EUA em
seus uniformes azuis, montados em belos cavalos, espada em riste liderados por
John Wayne dizimavam os “vilões” índios apaches, cheyennes e sioux. Em Porto
Alegre, criança, aprendia que nossos vizinhos do norte tinham o legítimo
direito de matar populações nativas para cumprirem, o “destino manifesto” de
expandir a colonização e “civilizar” todo continente "em nome de Deus".
Cresci
acreditando que os índios eram os “malvados”, um povo estranho e perigoso
porque reverenciava os elementos da natureza como coisas sagradas, onde
tiravam o sustento de suas tribos e extraíam o nome de seus filhos. “Touro Sentado”, “Olhos de Lince”, “Cavalo Louco”, “Vento Uivante” ou "Agua Limpa" eram
nomes que os "selvagens" davam aos seus descendentes para homenagear a natureza e que me intrigavam. Demorei a entender o valor sacro que
aquelas nações davam às coisas da natureza. Apesar de viverem há milênios nas
terras livres da América, antes da chegada dos Britânicos e Franceses, eles
eram os “estranhos”. Admirava o heroísmo dos soldados em todas vezes que
assistia um filme exibindo a cavalaria dos EUA invadindo o acampamento de uma
tribo para massacrar seus habitantes. Em casa, no silêncio de meu quarto e
longe da TV do vizinho, viajava pelo mundo mágico e colorido daquelas revistas
em quadrinhos. Suas folhas descortinavam, para mim um universo encantado cheio
de heróis, vilões, monstros, animais e florestas. Os “Super Heróis Shell”
impressos em revista e veiculados na série de TV eram patrocinados pela
companhia petrolífera Shell que nos brindava com o Homem de Ferro, Capitão
América, Thor, Hulk, The Flash e Aquaman. Me perguntava porque não nasci nos
EUA? Afinal os heróis só nascem lá. Nos gibis colecionava os heróis da Marvel
e da DC reunindo o Homem Aranha, Mulher Maravilha e Super homem todos com
roupas azuis, brancas e vermelhas, cores da bandeira dos EUA. No máximo o que
li sobre revistas em quadrinhos nacionais foi “Jeca Tatú”, pobre, engraçado,
ridicularizado e brasileiro. Criança, sonhava em ser um herói norte americano,
ao mesmo tempo que olhando para nossos heróis brasileiros desenvolvia o que o
escritor e dramaturgo brasileiro viria a definir como “complexo de
vira-latas”. Quando já perdera o interesses pelos gibis é que finalmente foi
lançado um herói carioca. Era o Zé Carioca, um papagaio cheio de malandragem
que não gostava de trabalhar. Enquanto lia os “Super Heróis Shell” meu pai
ouvia pelo rádio notícias vindas do outro lado do mundo no noticiário
“Repórter Esso”. A vinheta do programa noticioso fazia todos paralisarem suas
atividades para ouvirem com atenção as notícias, como se fossem verdades
bíblicas.
Anos mais tarde soube que o “Repórter Esso” era um noticiário
enlatado e disseminado para toda América Latina, produzido e financiado pela
maior companhia de petróleo do mundo na época: a Standard Oil da família
Rockefeller. As companhias de petróleo patrocinavam revistas, jornais,
programas de TV e rádio com temas e conteúdos que ficariam para sempre na
minha cabeça de criança, enquanto produziam e editavam as notícias que os
adultos, incluindo meu pai, ouvia pela rádio. Caminhava pelas ruas da Vila
Ipiranga para visitar a casa dos amiguinhos levando 30 a 40 gibis debaixo do
braço, para trocá-los por outros exemplares que não havia lido. Gostava do Tio
Patinhas.
Não lembro o que, de fato, ele encontrou naquele país de maioria
islâmica. Mas o nome da cidade Kandahar ficou gravado na memória e mais tarde,
adulto, soube que com Cabul e Herat era uma das três principais cidades
daquele país. O Afeganistão ao lado do Turcomenistão, Azerbaijão e o
Cazaquistão representavam, para mim, a mais autêntica expressão de “lugar
remoto da terra”, de um mundo mais distante que a terra dos alienígenas
enfrentados por Nacional Kid.
Já adulto, pesquisador, autodidata e convivendo
com diferentes etnias islâmicas entendi que o Afeganistão era, de fato, outro
mundo, mas, por diferentes razões. Até 1893, antes do Império Britânico traçar
linhas divisórias territoriais com a Índia (no território do atual Paquistão,
criado em 1947, depois de se emancipar da Índia), o país não conhecia nem
reconhecia limites fronteiriços. Esse cenário era comum em sociedades tribais.
Não era organizado de acordo com os princípios da Teoria Geral do Estado que
estabelece um padrão central de sistemas jurídicos e sociais intrinsecamente
ligadas à um espaço territorial como conhecemos hoje nos mapas dos livros de
geografia. Com mais de 90% de seus habitantes praticantes do islamismo sempre
foram regidos por uma mistura de códigos tribais milenares e princípios
islâmicos. Não eram subordinados a um poder burocrático estatal centralizado e
cada tribo seguia suas próprias regras e tradições. A diversidade tribal e
étnica vive nos mesmos territórios. O líder pashto Dost Mohammad (1793-1863)
da tribo Barakzai havia unificado e liderado o Afeganistão por mais de três
décadas (1826 – 1839 e 1842 – 1863) costurando consensos entre os chefes
tribais para implantar a dinastia Barakzai.
Dost liderou a defesa de seu povo
na primeira guerra contra os invasores britânicos em (1839/1842), maior
conflito do século XIX, que tinha como pano de fundo uma competição pelo poder
e influência entre os impérios britânico e russo na Ásia Central. Antes de
serem enredados pelo jogo do poder imperial colonialista, os afegãos viviam
outro modelo de civilização, outras culturas, hábitos, tradições e
conhecimentos engendrados pela simbiose de várias etnias com a natureza e seus
fenômenos. Até meados do século XVIII a tradição tribal não entendia a idéia
soberba do homem assumir a posse sobre um território que é parte integrante do
grande cosmo. Não existia o conceito de posse sobre a terra, rios, estrelas,
sol ou da lua. Como os homens poderiam ser donos da extensão divina? No máximo
os territórios eram uma generosa concessão de Deus onde os clãs ou tribos
extraíam artesanalmente os recursos para sua sobrevivência.
CULTURA DO COLETIVO
Cada tribo podia
ser identificada de longe apontando o dedo para as montanhas, montes ou
planícies onde viviam. Todas aldeias desenvolveram uma economia independente e
autossuficiente. Edificaram casas em regime de mutirão, construíram seus
próprios sistemas de irrigação, praticam a agricultura, o pastoreio de
rebanhos de cabras, ovelhas e camelos. A segurança das aldeias era feita pelos
seus próprios habitantes que cultivavam a bravura, honra e a dignidade como
símbolos de nobreza. Era um território místico de complexas e misteriosas
crenças, provenientes de várias partes da Ásia Central, amalgamadas naquele
lugar chamado “coração” pelos árabes, que ali chegaram no século VIII, por
causa da capilaridade que tinha com toda região. Com pouco mais de 652
quilômetros quadrados o Afeganistão está situado entre as estepes e é o centro
geográfico dos países da Ásia Central. Três quartos do seu território são
constituídos por montanhas, e o resto formam uma pradaria desértica no sul e
no sudoeste, enquanto a norte é possível encontrar vales de origem fluvial.
Esta região é muito acidentada e deu origem à várias etnias onde se fala mais
de 70 dialetos diferentes sendo que 90% falam pashto a língua oficial e o
dari. Sua localização geográfica a transformou em uma zona de transição com
imenso fluxo e passagem por seu território de diversos povos na antiguidade.
Era um grande corredor onde encontraram-se muitas culturas e religiões sendo
as maiores o islamismo, hinduísmo e o budismo. No passado o Afeganistão foi
caminho importante da Rota da Seda e hoje faz fronteira com o Uzbequistão,
Turcomenistão, Tadjiquistão, Irã, Paquistão e China. Ao longo de sua história
o país foi alvo de várias invasões de diferentes povos. Possui inúmeras
montanhas e trilhas percebidas como santuários naturais que fomentaram a
criação e proliferação de inúmeras tradições religiosas e esotéricas
contribuindo para o desenvolvimento de sincretismos religiosos. Ali está a
montanha inspiradora da corrente mística islâmica conhecida como sufismo. Para
os reis antigos, o Afeganistão era o centro do mundo, pelo intenso fluxo de
informações que cruzavam aquele território.
Suas características tribais
milenares sofreram grandes transformações pela intervenção ocidental no século
XIX. Cegos às sutilezas do equilíbrio étnico não territorialista, traçaram
fronteiras a régua e esquadro de acordo com os interesses geopolíticos
europeus. Seguindo o padrão colonialista, como foi em outras regiões do mundo,
linhas artificiais desenhadas por interesses geopolíticos foram impostas aos
povos ali existentes criando tensões e acirrando as divisões étnicas que
dificultaram o desenvolvimento de uma identidade nacional afegã. No que ficou
conhecido como “Grande Jogo”, que marcou as rivalidades entre o Império
Britânico e o Império Russo pela supremacia na Ásia Central no século XVIII,
foram firmados tratados entre estas duas potências delimitando o predomínio de
cada uma delas. O Afeganistão, grande centro de atividades de exploração,
espionagem e diplomacia durante a disputa foi transformado em personagem
regional importante e “estado tampão” entre os dois impérios. Serviu como
“zona neutra” estabelecendo os limites das disputas e conquistando uma
relativa neutralidade até meados do século XX. Os laços e alianças tribais e
étnicas continuam e muitas vezes sobrepõe-se ao poder central imposto pelos
interesses geopolíticos e econômicos Ocidentais que dominaram esta região.
GRUPOS ÉTNICOS AFEGÃOS
Mais de 90% do mosaico populacional do Afeganistão muçulmano é composto
atualmente, por mais de uma dezena de grupos étnicos. Os Pashtun, islâmicos do
ramo sunita, formam maioria com pouco mais de 40% da população, além dos
Tadjiques, Hazaras e Uzbeques compondo os grupos mais importantes. Os Pashtun
desempenharam nestes últimos dois séculos o protagonismo político em todo o
Afeganistão e também no vizinho Paquistão, em particular na região da
fronteira noroeste, revelando que alí a cultura tribal ainda se sobrepõe a
autoridade do estado moderno criado pelo Ocidente. São na sua maioria
proprietários rurais herdeiros de tradições na agricultura, atividade
principal do país, além de hábeis comerciantes operando na região fronteiriça
com o Paquistão. Cultivam modos de sobrevivência baseados na produção agrícola
e na criação animal e resistem a “modernização da economia” proposta pelos EUA
que após a invasão de 2001 planejaram extrair minerais estratégicos como
ferro, cobre, cobalto, ouro e lithium [ New York Times, U.S. Identifies Vast
Mineral Riches in Afghanistan – NYTimes.com, 14 de Junho de 2010]. Em Junho de
2010 um relatório conjunto do Pentágono, da US Geological Survey (USGS) e
USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional)
revelou que as jazidas minerais encontradas no Afeganistão são indispensáveis
para o complexo industrial Ocidental. O relatório afirmava que o país tinha o
potencial de se transformar um dos maiores centros mundiais de mineração com
lucros estimados em 1 trilhão de dólares para as corporações econômicas
euro-americanas. Entretanto, onde os EUA enxergam “modernização”, as
populações islâmicas afegãs enxergam a violação da terra, das montanhas e do
meio ambiente natural, de valor transcendental na crença islâmica e tribal. A
modernização nos moldes dos interesses Ocidentais, que conta com a cooperação
das elites locais, chega como ameaça aos meios de subsistência do povo e à
fonte de sua espiritualidade alimentada pelos mistérios das grandes
cordilheiras e das estepes afegãs. O povo afegão, com forte tradição em
transmissão oral da história feitas em conversações nos centros da aldeias,
onde os mais jovens ouvem atentamente os mais velhos, não esqueceu alguns
fantasmas do passado que levaram pânico a toda Ásia Central. Um deles
aconteceu em dezembro de 1984 na cidade de Bhopal na vizinha Índia. Um
vazamento de gás isocianato de metila foi o mais grave acidente industrial do
século. Nas primeiras 72 horas, mais de 8 mil pessoas morreram. Outros
milhares morreram nos meses seguintes. As imagens de milhares de gatos, cães,
vacas e aves espalhados pelas ruas da cidade correram o mundo. A notícia do
vazamento na fábrica americana Union Carbide, hoje pertencente à mega
corporação multinacional dos EUA The Dow Chemical Company ( integrante do
Council On Foreign Relations - CFR- ), chegava no Afeganistão como histórias
de terror contadas nas noites enluaradas, trazidas pelas vozes dos viajantes.
Neste período o Afeganistão era sacudido pela invasão soviética e as aldeias
afegãs começavam a experimentar a comunicação pelo rádio, jornal e algumas
televisões. Mal haviam esquecido as tenebrosas histórias do vazamento
industrial (inimigo que a bravura e honra dos guerreiros afegãos não
conseguem enfrentar no campo de batalha) na Índia, dois anos depois, em 1986
um acidente na usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, antiga União Soviética,
provocou a explosão do reator nuclear, lançando na atmosfera grande volume de
radiação. No calor da disputa da guerra fria a imprensa ocidental espalhou um
terror planetário divulgando informações sobre milhares de pessoas mortas pela
explosão, por doenças relacionadas com o acidente e que os ventos haviam
levado a radiação para toda Ásia Central. Nutrindo solene respeito pela
natureza, um dogma islâmico enraizado no etos tribal afegão, é razoável supor
que a “modernização” e seu aparato degradador do meio ambiente provoquem mais
um ponto de tensão entre os interesses econômicos Ocidentais e parte das
tradições islâmicas.
Em 2017 o Afeganistão tinha 35 milhões de habitantes e hoje não passam de 33 milhões. Aproximadamente 75%
da população vive nas áreas rurais produzindo trigo, arroz, cevada, uva, milho
e batata representando 31% e junto com o setor de serviços (43%) representam
74% do PIB nacional. Além disso seus principais rebanhos são de ovelhas,
cabritos e camelos. Kandahar, terceira maior cidade do país é um grande centro
de comercialização de ovinos, lã, algodão, seda, grãos, frutas frescas e
secas, assim como tabaco. No entanto, a maior receita por produto agrícola
provém da chamada “economia paralela”: ópio e haxixe. O Afeganistão é o maior
produtor mundial de ópio e haxixe do mundo.
ÓPIO: ARMA ESTRATÉGICA DOS EUA NO
AFEGANISTÃO
Até 2007 92% dos não farmacêuticos opiáceos no mercado mundial
teve origem no Afeganistão gerando uma receita de US$ 4 bilhões para os
produtores [UNITED NATIONS Office on Drugs and Crime. «Afghanistan Opium
Survey 2007» (PDF)]. Os altos lucros com o tráfico do ópio, que começaram a
ser controlados em algumas regiões do país pela CIA a partir de 1980, geram
uma receita bilionária fora do controle do congresso americano. Estes recursos
foram usados para financiar a insurgência contra a invasão soviética, depois
comprar a ascensão de governos fantoches afegãos pró-americanos e grupos
extremistas que praticam atos terroristas dentro e fora do país, após a
invasão dos Estados Unidos em 2001. Enquanto financiavam a luta antissoviética em território afegão a CIA usava sua superestrutura de comunicações e
informação para incrementar a produção e o comércio de drogas e narcóticos
parte atendendo a indústria farmacêutica e parte irrigando o tráfico
internacional de heroína. Para o economista Michel Chossudovsky, antes de
descobrirem as valiosas riquezas minerais a partir de 2001, os EUA tinham como
pedra fundamental econômica escondida por trás da guerra antissoviética o
domínio da exploração e comercialização do ópio, que hoje movimenta mais de
US$ 200 bilhões no mundo. Professor emérito da Universidade de Ottawa e de
várias universidades da Europa, Ásia, América Latina, colaborador da
Enciclopédia Britânica e do Le Monde Diplomatique, Chossudovsky possui um
currículo acadêmico e profissional invejável e respeitado no mundo. Consultor
de vários países e membro de diversos organismos internacionais, quando revela
o uso do narcotráfico por parte do governo dos Estados Unidos no Afeganistão
para alcançar seus objetivos geopolíticos, tem seu currículo e sua própria história a favor da credibilidade de seus textos.
GUERRAS DO ÓPIO
Os EUA não foram os primeiros a fazerem uma guerra em que o
ópio fosse um dos objetivos de suas conquistas. A Grã Bretanha, já havia gasto
dinheiro dos contribuintes britânicos financiando uma guerra para garantir a
sobrevivência do tráfico de drogas para a China. Ficou conhecida como a
“Guerra do òpio” (a primeira guerra 1839/1842; a segunda 1856/1860). Durante o
vigoroso período do colonialismo britânico, os ingleses passaram a controlar
produção, exportação e transporte marítimo do ópio cultivado ao longo da
fronteira entre a antiga fronteira do Afeganistão e da Índia para vendê-lo na
China e outros países. Atendiam interesses de latifundiários britânicos nas
colônias que cultivavam a papoula, planta que produz o ópio, ao mesmo tempo em
que viciavam milhões de chineses tornando apática a resistência do povo contra
o domínio britânico. A receita milionária pelo tráfico de ópio e heroína
apoiado pelo império britânico deu origem a um dos maiores símbolos do sistema
financeiro inglês em 1865: O Hong Kong & Shanghai Banking Corporations, mais
conhecido nos dias atuais como HSBC, um dos principais bancos do sistema
financeiro internacional. Este banco é personagem de um dos maiores escândalos
financeiros do século XXI. Mas aí já é outra história. Por mais de dois
milênios o Afeganistão foi encruzilhada e ponto de encontro da cultura de
diversas nações, oferecendo um legado cultural planetário impagável para a
humanidade. A partir da chegada das forças armadas dos Estados Unidos, aquele
país islâmico se transformou na grande encruzilhada mundial da violência e do
narcotráfico. De acordo com relatório do Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crimes (UNODC) a partir da invasão do Afeganistão pelos EUA em 2001 a
produção de ópio cresceu alcançando a maior produção de ópio e haxixe de toda
sua história. Dezenas de corporações econômicas multinacionais, filiadas ao
Council On Foreign Relations, como a Johnson & Johnson, Mallinckrodt, Pfizer,
Merck, Novartis, Roche, Bayer, e outras dezenas de mega corporações do setor
farmacêutico dependem do ópio para produção de drogas lícitas. Estas
corporações são poderosas: 61 empresas espalhadas em mais de 100 países com
receita total combinadas de US$ 39 trilhões e lucros anuais de US$ 3 trilhões.
Seus ativos somados chegam a US$ 162 trilhões[Forbes 29 de Julho/2015]. Parte
substancial deste poder econômico planetário do setor farmacêutico vem de
substâncias como o laudano, codeína, morfina, meperidina e metadona,
medicamentos extraídos do ópio. O outro grande derivado do ópio estimulado,
protegido e ampliado pela presença militar norte-americana e da OTAN no
Afeganistão é a heroína que abastece o mercado internacional e particularmente
o mercado dos EUA. A heroína proporciona aos seus consumidores uma sensação de
bem-estar, porque sua estrutura química é semelhante a das endorfinas,
substâncias do organismo humano que provocam sensação de prazer. A partir da
chegada dos EUA em 2001 também ocorreu um fenômeno novo no Afeganistão: o
aumento vertiginoso de viciados locais que antes produziam mais não consumiam.
Drogados, entorpecidos e zumbizados os viciados não oferecem resistência
contra a ocupação estrangeira em seu território. Talvez esta não seja a única
explicação para a tragédia que se abateu sobre aquele povo de tradições
tribais. Embora os fatos deem respostas evidentes a ONU, que tem nos EUA seu
maior contribuinte financeiro individual, continua perguntando porque o
governo central de Kabul não foi capaz de impor a proibição do cultivo de ópio
tão eficazmente aplicada nos anos de 2000/2001 durante o regime Talibã? O
leitor seria capaz de chegar à uma conclusão lógica? A produção de ópio
penetrou profundamente na estrutura política, na sociedade civil e na economia
do Afeganistão. Primeiramente atendendo a política de exportação da Grã
Bretanha no século XVIII e atualmente como instrumento de financiamento de
governos fantoches e grupos insurgentes. Após décadas de conflitos civis e
militares, onde os interesses ocidentais sempre estiveram no centro das
decisões políticas daquela nação, a população rural mais pobre, agricultores,
trabalhadores sem-terra, pequenos comerciantes, mulheres e crianças se viram
acorrentados á produção do ópio. Uma sociedade inteira ficou aprisionada, a
mercê das corporações econômicas estrangeiras, sindicatos do crime
internacional e das estratégias da CIA e da NSA eminências pardas de todos os
governos que por lá passaram depois da invasão norte-americana, incluindo o
início do governo Talibã empossado e posteriormente destituído pelos Estados
Unidos. Até 2001 a produção de ópio havia sido reduzida pelo governo Talibã em
94% chegando a produzir ínfimas 185 toneladas. Após a destituição dos Talibãs
o aumento na produção bateu recordes históricos e, em 2006 já havia produzido
6.100 toneladas, um aumento 33 vezes maior. Os sindicatos do crime
internacional continuam a dominar várias áreas no sul, norte e leste do país.
Estes sindicatos organizaram as tribos que formaram a “Aliança do Norte”
financiados pelos multimilionários latifundiários do norte do país, donos das
maiores plantações de papoula. Uma coalizão liderada pelos EUA, Aliança do
Norte, França e Inglaterra, contrariando decisão da ONU, derrubou o governo do
Talibã e colocou em seu lugar o boêmio Hamid Karzai, que segundo a então
Secretaria de Estado Americano Hillary Clinton do governo Obama, inaugurou um
“narco-estado”[Dexter Filkins- New York Times - 7 de Fevereiro de 2009-]. Um
relatório da ONU diz que o apoio das tropas norte-americanas à economia do
ópio está diretamente relacionado ao aumento do consumo e da dependência de
heroína nos Estados Unidos de 2001 a 2006. Michel Chossudovsky revelou que os
lucros deste contrabando multibilionário são depositados em bancos ocidentais
e quase a totalidade das receitas são destinadas a interesses corporativos,
como a indústria farmacêutica, o crime organizado, agências de inteligência,
instituições financeiras ocidentais e sindicatos criminosos fora do
Afeganistão [UNODC- A Economia do Ópio no Afeganistão]- O lucro total do
comércio de heroína chega a mais de 190 bilhões de dólares
[http://www.unodc.org/pdf/publications/afg_opium_economy_www.pdf , Viena,
2003, p. 7-8]. A Organização das Nações Unidas estima que o volume total de
negócios com narcóticos movimenta entre US$ 400 bilhões a US$ 500 bilhões por
ano. [Douglas Keh, Drug Money in a Changing World, documento técnico n ° 4,
1998, Viena, UNDCP, p. 4. Veja também Programa de Controle de Drogas das
Nações Unidas, Relatório do Comitê Internacional de Controle de Narcóticos
para 1999, E / INCB / 1999 / 1 Nações Unidas, Viena, 1999, p. 49-51, e Richard
Lapper, ONU teme o crescimento do comércio de heroína, Financial Times, 24 de
fevereiro de 2000]. Com base em números de 2003, o tráfico de drogas constitui
“o terceiro maior produto global em termos de dinheiro depois do petróleo e do
comércio de armas”[The Independent, 29 de fevereiro de 2004]. O Afeganistão e
a Colômbia fortemente apoiados pelos EUA (além da Bolívia e o Peru divergentes
dos EUA) constituem as maiores economias produtoras de drogas do mundo, que
alimentam uma florescente economia criminosa. Esses países são fortemente
militarizados. O tráfico de drogas é protegido. Fatos amplamente documentados,
mas oficialmente negados, revelam que a CIA desempenhou um papel central no
desenvolvimento dos triângulos das drogas na América Latina e na Ásia.
DO MEU LIVRO RAIZES DO ISLÃ (Não publicado)