O livro sagrado dos muçulmanos é repleto de metáforas e parábolas, como são a Torá judaica e a Bíblia cristã. Todavia, por ser escrito na língua árabe, uma leitura literal das traduções para idiomas ocidentais não captura nem traduz para ocidente a essência filosófica de seus textos. Islamofóbicos e grupos totalitários que se apropriaram de símbolos e textos do Corão para detrata-lo, o fazem, usando uma leitura rasa e violentada do Livro Sagrado Islâmico para fundamentar e impor suas teses.
Na tradição islâmica o árabe é idioma sagrado usado por Deus para transmitir as recitações ao Profeta Mohammad. Construir um diálogo com o conteúdo do livro sagrado islâmico exige um prévio aprendizado. Ler o Corão não se resume a compreender sua linguagem a partir do conhecimento de léxicos e sintaxes. É necessário examinar as estruturas que compõe seus textos e por ele são constituídos. Sem uma preliminar imersão nos horizontes e expectativas que os versículos corânicos oferecem, o leitor pouco compreenderá de seu significado.
A leitura do Corão com entonação fonética rítmica, rimada, mística e poetizada na pronúncia das palavras, exprime muito além de simples composições gramaticais. Em face às peculiaridade linguísticas do idioma árabe o significado das frases ganha uma dimensão transcendental que cala fundo no espírito do fiel. Dentro dos padrões literários árabes, são dotadas de radiante beleza e conduzem à uma viagem de interiorização de seu próprio ser, do autoconhecimento e expansão da consciência. Rompem barreiras e estruturas íntimas dos indivíduos, levando-os a um estado de submissão à harmonia e paz interior. A leitura e audição do Corão remetem a uma disciplina da alma, somente compreensível aos que leem a partir da psicologia e do subconsciente coletivo muçulmano. Antes de ler o Alcorão é preciso entrar na atmosfera espiritual de paz e pureza mental para incorporar suas mensagens.
A DIFÍCIL TAREFA DE TRADUZIR O CORÃO
Muitos estudiosos islâmicos consideram raras as traduções precisas do Corão para outros idiomas. Etnólogos modernos corroboram esta afirmação por considerarem que a formação e comunicação linguística dos povos não são restritos às letras e palavras. A língua de uma nação é um espelho de seu caráter coletivo. A estrutura linguística incorpora itens intangíveis em seu processo de comunicação moldado por sua cultura, história, costumes, gírias, corruptelas, religião e até mesmo por hábitos nascidos nas cidades e aldeias onde se vive. A tradução do livro sagrado islâmico é um processo complexo e amplo e exige o conhecimento da língua árabe, da espiritualidade islâmica além de um perfeito domínio do idioma para o qual será traduzido. É preciso ler linhas e entrelinhas e capturar significados abstratos para construir interpretações precisas.
As línguas faladas, com todas as suas palavras, são entidades vivas que mudam de forma, de pronúncia e até de significado ao longo de sua história e de’ acordo com o povo que a usa. Entretanto o Corão escrito e mantido no árabe clássico é considerado inimitável, infalível e inalterável. Quem entende o árabe falado nas ruas de damasco, Beirute, Cairo ou Dubai não entenderá necessariamente o árabe clássico escrito no Livro Sagrado. As traduções do Corão para outras línguas são consideradas como linhas auxiliares para sua compreensão mas não substituem o texto original. O estilo e método do Corão são únicos e sem paralelos: servem a seu propósito e missão e, para ser interpretado precisa estar livre de estruturas e desenhos pré concebidos pela mente humana.
O Corão cumpriu a missão de desenvolver uma nova consciência da realidade em um movimento social que fundou uma nova cultura civilizacional a partir do século VII. Segundo a tradição o livro sagrado islâmico nasceu de um diálogo direto, ainda que mediado pelo arcanjo Gabriel, entre Deus e o homem - O Profeta Muhammad - e o significado de seu conteúdo emana uma atmosfera transcendental para o fiel islâmico. Durante as orações e nas meditações, fiéis acompanhavam O Profeta e se envolviam pela palavra sagrada. Para eles era a experiência direta da presença divina, o contato mais íntimo com Deus sem intermediação.
Aprenderam com O Profeta a correta recitação litúrgica (tartil) do Alcorão. Posteriormente estes discípulos tinham a tarefa de repassar os ensinamentos aos demais companheiros. No início foi criado em Medina um centro de "memorizadores" (hafiz) do Alcorão. Eles eram a memória viva da religião e tinham a função de transmitir pela oralidade o conteúdo das mensagens sagradas.
Após a batalha de Yamama em 633 o califa Abu Bakr inicia a compilação do Corão dando formato ao árabe clássico e ao texto atual que permanece inalterado por mais de 1.400 anos.
*Texto extraído de meu livro (ainda não publicado) Raízes do Islã.
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